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Blog destinado à divulgação de notícias e ao debate acerca de temas relacionados à Seguridade Social brasileira (Previdência Social, Assistência Social e Saúde).

sexta-feira, 30 de março de 2012


Considerações sobre Previdência Social no Brasil


           Atendendo a pedidos, repito  algumas considerações sobre a Previdência Social no Brasil aqui na página inicial do blog.

Pois bem. Para melhor compreensão dos temas abordados neste espaço de debate, é de salutar relevância a compreensão da organização e do funcionamento da previdência social no Brasil, especialmente do Regime Geral de Previdência Social.

A Previdência Social no Brasil é um seguro social coletivo, subespécie da Seguridade Social (Art. 194, CRFB/88), dividida em 3 regimes: Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS - incluindo o Regime Próprio dos Militares) de natureza pública; e Regime Complementar, de natureza privada.

O jurista Wladimir Novaes Martinez conceitua a previdência social como

técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não puder obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte -, mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes. (Wladimir Novaes Martinez, A seguridade social na constituição Federal, 2ª ed., São Paulo, LTr, 1992)

Por sua vez, o jurista Fábio Zambitte Ibrahim sustenta que

a previdência Social é seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais. Já o regime complementar tem como características a autonomia frente aos regimes básicos e a facultividade de ingresso, sendo igualmente contributivo, coletivo ou individual. O ingresso também poderá ser voluntário no Regime Geral para aqueles que não exercem atividade remunerada. (Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de direito previdenciário, 12ª ed. Editora, RJ, 2008, p. 22)

Assim, a previdência social tem como objetivo a cobertura dos riscos sociais que, nas palavras do escritor Ivan Kertzman,

são os infortúnios que causam perda da capacidade para o trabalho e, assim, para a manutenção do sustento. São exemplos de riscos sociais a idade avançada, a doença permanente ou temporária, a invalidez, o parto etc. (Ivan Kertzman, Curso prático de direito previdenciário, 6ª ed. Ed. Juspodivm, 2009, p. 29)


Entretanto, é errado afirmar que a previdência social existe apenas para proteger o segurado que se encontre atingido pelos riscos sociais. Ela é muito mais que isso. Deve ser vista como instrumento de manutenção das condições mínimas de preservação da dignidade da pessoa humana, sendo enquadrada nesta ótica, como direito fundamental do indivíduo.

O jurista Marcelo Leonardo Tavares completa o entendimento acima exposto:

a previdência torna-se um forte instrumento de concretização do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e dos objetivos de erradicação da pobreza e de redução de desigualdades sociais, possibilitando o acesso às oportunidades e garantindo cidadania. Como previdência básica, pode ser comparada a um patamar mínimo abaixo do qual ninguém deve recear cair, mas acima do qual podem surgir e florescer desigualdades sociais apoiadas na autonomia privada e no talento individual. (Marcelo Leonardo Tavares, direito previdenciário – regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social, 9ª ed. Editora lúmen júris, Rio de Janeiro, 2007, fl. 28)

Assim, a Previdência Social constitui instrumento de proteção social, não só dos beneficiários (segurados e dependentes), mas, indiretamente, de toda a sociedade.

Regime Geral de Previdência Social


Sob o aspecto financeiro, o regime geral de previdência social é organizado com base na repartição simples, em que todas as contribuições são vertidas para um fundo único e distribuídas para quem fizer jus aos benefícios, ou seja, as contribuições dos segurados ativos (contribuintes) sustentam o pagamento dos benefícios aos inativos (beneficiários), em sintonia com o princípio da solidariedade, que será abordado adiante.

Esclareça-se, ainda, que o RGPS é classificado como regime de benefício definido. Segundo o escritor Ivan Kertzman

no regime de benefício definido, as regras para o cálculo do valor dos benefícios são previamente estabelecidas. É o que ocorre com a previdência social pública brasileira, que tem suas regras definidas por força de lei. (Ivan Kertzman, Curso prático de direito previdenciário, 6ª ed. Ed. Juspodivm, fls. 30)

O RGPS é administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Previdência Social, e articulado pelas leis 8.212/1991 e 8.213/1991 e suas alterações, sendo que a primeira lei regulamenta o custeio do sistema (aliás, regulamenta o custeio de toda a seguridade social, não somente da previdência social) e a segunda regulamenta a concessão de benefícios e serviços.

Com relação ao custeio, o RGPS é financiado por três entidades: Governo, empresas e trabalhadores. Daí a denominação “custeio tripartite”.

Os beneficiários do RGPS são as pessoas físicas que preencham os requisitos necessários ao recebimento do abraço da Previdência social, ou seja, estiverem em uma situação de risco social tipificada, bem como cumprido os demais requisitos legais. Podem ser segurados da Previdência Social ou seus dependentes.

Por fim, os segurados podem ser facultativos (aqueles que não exercem atividade remunerada) e obrigatórios (aqueles que exercem atividade remunerada e não estejam vinculados a regime próprio de previdência social), sendo, neste caso, a respectiva contribuição ao RGPS também obrigatória, inclusive para os segurados aposentados que retornam ao trabalho, em conformidade com o art. 12,§4º 8.212/91.


Princípios da Previdência Social



Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema de comandos, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada. (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 15ª ed. São Paulo, Malheiros, 2003, p. 818).


A Previdência Social é orientada por dois princípios básicos: compulsoriedade e contributividade, conforme caput do art. 201 da atual CRFB/88.

Sobre estes princípios, o escritor Ivan Kertzman assegura:

O princípio da compulsoriedade é o que obriga a filiação a regime de previdência social aos trabalhadores que exercem atividades remuneradas lícitas. Se os segurados pudessem optar entre verter parte de sua remuneração para o sistema de previdência social ou utilizar todos os ganhos para pagamento das despesas domésticas, certamente a maioria escolheria a segunda alternativa. Diversos trabalhadores ficariam, assim, excluídos do sistema protetivo, gerando um completo caos social, pois, quando ficassem impossibilitados de exercer suas atividades, não teriam como prover o seu sustento.

(...)

A solidariedade do sistema previdenciário, em síntese, é o princípio que acarreta a contribuição dos segurados para o sistema, com a finalidade de mantê-lo, sem que necessariamente usufrua dos seus benefícios. Uma vez nos cofres da previdência social, os recursos serão destinados a quem deles realmente necessitar.

A solidariedade justifica a situação do segurado que recolheu contribuição durante muitos anos sem jamais ter-se beneficiado. A previdência atende, por outro lado, aos dependentes do segurado falecido, no início de sua vida profissional, concedendo-lhes o benefício da pensão por morte. (Ivan Kertzman, Curso prático de direito previdenciário, 6ª ed. Ed. Juspodivm, fls. 28 e 29)


De grande relevância também é o princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, tornado explícito com a Emenda Constitucional nº 20/98, que o inseriu no caput do art. 201 da Constituição Federal.

Além da solidariedade e da compulsoriedade, o art. 2º da Lei 8.213/91 estabelece que a previdência social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:

1. Universalidade de participação nos planos previdenciários;

2. Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

3. Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios;
4. cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição corrigidos monetariamente;

5. irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo;

6. valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo;

7. previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional;

8. caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação do governo e da comunidade, em especial de trabalhadores em atividade, empregadores e aposentados.

Além dos princípios supracitados, expressamente previstos na legislação, são dignos de nota os princípios implícitos da hipossuficiência dos segurados, princípio da proteção, princípio do caráter alimentar dos benefícios previdenciários.

quinta-feira, 29 de março de 2012

A Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) passará a funcionar após sanção presidencial e homologação da Previc


 A presidenta Dilma Roussef tem 15 dias para sancionar a lei que autoriza a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp). O prazo começa a contar a partir do momento em que a Presidência da República for comunicada pelo Congresso Nacional da aprovação do projeto sobre a Funpresp. Depois da sanção, para que o novo sistema de previdência do servidor público entre em vigor, ainda será necessária a homologação da Funpresp pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).


Essas informações foram transmitidas pelo ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho, durante entrevista coletiva convocada para divulgar os números do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) referentes à fevereiro. Ele antecipou que, apesar de o prazo de 180 dias (contados a partir da publicação da Lei) para a Funpresp iniciar o seu funcionamento, o governo trabalhará para encurtar esse tempo o máximo possível.


“A contratação de servidores públicos obedecendo às regras do novo regime somente se dará após o início das atividades da Funpresp. E para a Funpresp ser criada, depende da homologação da Previc. Faremos tudo para esse processo transcorrer no prazo mais exíguo”, declarou o ministro Garibaldi Filho.
 
Fonte: Site do INSS: http://www.inss.gov.br/vejaNoticia.php?id=45915#destaque

segunda-feira, 26 de março de 2012

Convite ao debate: A curiosa (quase cômica) história da origem do fator previdenciário

Por Leomir José Vieira

Atualmente, é forte o debate acerca do fim do fator previdenciário. Entretanto, na presente postagem falarei sobre a sua criação. A história é bastante curiosa, quase cômica, se não fosse a perversidade do referido instituto.


O fator previdenciário é uma fórmula matemática criada para desestimular a aposentadoria por tempo de contribuição precoce, mas este intuito nunca foi alcançado e, na prática, ele apenas serve para diminuir os gastos da previdência social com a aposentadoria por tempo de contribuição.


Nas palavras de Ivan Kertzman, " o fator previdenciário é utilizado como umltiplicador da média aritmética simples dos 80% maiores salários-de-contribuição, nas aposentadorias por idade [aplicação facultativa] e tempo de contribuição. O fator pode ter valor maior ou menor que o número um. Sendo maior, elevará o valor do salário-de-benefício, e o contrário ocorrerá, caso seja menor". (Ivan Kertzman, Curso prático de direito previdenciário, 8ª ed., pág. 361, editora Podivm)


O fator previdenciário é calculado considerando-se a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar, mediante fórmula


F=TC x A [1 + (id + Tc x A)]

         Es                100


Onde:

F= fator previdenciário

Es=expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria

Tc= tempo de contribuição até o momento da aposentadoria

Id= idade no momento da aposentadoria, e

A= alíquota de contribuição correspondente a 0,31%.



Pois bem. Tomei ciência dos bastidores da criação do fator previdenciário através do jurista Ivan Kertzman, achei a história interessante e resolvi reproduzi-la aqui neste espaço de debate. Vale a pena conferir o texto original de Ivan Kertzman: 



"A emenda 20/98 extinguiu a aposentadoria por tempo de serviço, com a criação da aposentadoria por tempo de contribuição, acabando com a chamada contagem fictícia de tempo de serviço. Tentou-se, nesta ocasião, tornar obrigatória a cumulação dos requisitos de idade e tempo de contribuição para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social e para os Regimes Próprios. Este foi, sem dúvida, o tema mais polêmico da Reforma Previdenciária de 1998.


O Governo Fernando Henrique Cardoso estava empenhado em aprovar o texto da Emenda com a exigência da cumulação para os dois regimes. Houve, entretanto, forte resistência de alguns setores da sociedade que queriam garantir a aposentadoria nos antigos moldes, tanto para o servidor público, quanto para o trabalhador da iniciativa privada.


As regras de aposentadoria dos dois regimes permitiam concessão de benefícios precocemente, fugindo ao objetivo da Previdência Social: cobrir os riscos sociais. O tempo de serviço ou de contribuição não é risco social a ser coberto pela Previdência, pois nada indica que um segurado que tenha contribuído por 30 anos não tenha condições de exercer a sua atividade. No calor das discussões, lembramos que o Presidente afirmou que quem se aposenta cedo era ‘vagabundo’.


Para viabilizar a aprovação da Emenda Constitucional, tal como o Governo queria, foi retirada do texto a parte que exigia a cumulação dos requisitos de idade e tempo de contribuição para aposentadorias concedidas pelo RGPS, mantendo-se esta exigência apenas para o setor público, já que havia menos pressões para alteração das regras dos Regimes Próprios.


Colocou-se, então como destaque para votação posterior, somente este item. O texto básico da reforma foi aprovado, inclusive constando as regras de transição das aposentadorias do RGPS, mesmo antes da alteração deste regime ser aprovada na votação do destaque. Isso mesmo! Os nossos legisladores conseguiram efetuar a proeza de aprovar uma regra de transição, antes da aprovação da alteração que motivaria tal regra. (...)


Ocorre que, quando foi votado o destaque, em uma das  votações mais notórias da Câmara dos Deputados, a necessidade de cumulação de idade com tempo de contribuição para as aposentadorias concedidas pelo INSS não foi aprovada por um voto. Quando o Governo contabilizou os votos, percebeu que o Deputado governista Antônio Kandir, Ex-ministro do Planejamento e Orçamento de FHC, havia votado contra a posição defendia pelo seu partido. Entrevistado pela mídia, alegou que ‘apertou o botão errado no momento da votação’.


Resultado: a cumulação foi aprovada nos Regimes Próprios e não o foi para o RGPS. Foi, entretanto, aprovada regra de transição também para o RGPS.


O Governo, inconformado com o resultado da votação e motivado a promover o saneamento do Regime Geral de Previdência Social, decidiu, então, criar uma alternativa legal para reduzir o benefício previdenciário concedido pelo INSS, nos casos de aposentadorias precoces. Neste contexto histórico, foi criado o fator previdenciário, para ser aplicado, obrigatoriamente, às aposentadorias por tempo de contribuição e, facultativamente, às aposentadorias por idade". (Ivan Kertzman, Curso de Direito Previdenciário, 8ª ed, editora Podivm, pág. 360/361).


E você, o que acha do fator previdenciário?


sexta-feira, 23 de março de 2012

Nova revisão administrativa - Cerca de 600 mil segurados poderão ser beneficiados


       
Cerca de 600 mil segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderão ter o benefício previdenciário revisado. A ação civil pública pedindo a revisão foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em São Paulo e exige que a autarquia altere o cálculo para a concessão de auxílios-doença, aposentadorias por invalidez e pensões por morte concedidos desde 29 de novembro de 1999. 


Os benefícios foram estabelecidos sobre 100% dos salários de contribuição. O pedido é para que o cálculo seja feito com base nas 80% maiores contribuições. Com a exclusão das 20% menores, o valor do benefício aumenta em cerca de 8%. Se o segurado teve muita variação salarial, o aumento pode chegar a 22%.


O pedido de revisão foi motivado pelos segurados que tinham, na data do pedido do benefício, menos de 144 contribuições — equivalentes a 12 anos — após julho de 1994. Para esses segurados, o INSS não descartou as 20% menores, reduzindo o valor a ser pago. Aqueles que contribuíram com mais parcelas não passaram pelo problema.


A diferença foi corrigida em agosto de 2009 para os novos benefícios. Mas o INSS só faz a correção se o segurado for até a uma agência do órgão e solicitar a correção. O Ministério Público entende que isso prejudica os segurados que não sabem do direito à revisão e pediu para que o instituto realize as alterações em um prazo máximo de 90 dias. 


Os beneficiados que não conseguem a revisão administrativamente estão recorrendo à Justiça. Entre 27 de outubro de 2011 e 10 de fevereiro de 2012, foram distribuídos 1.295 processos contra o INSS apenas no Juizado Especial Federal de São Paulo. No total, já foram ajuizadas 6.650 ações.


“Existe a previsão de milhares de novas ações que, diante do posicionamento da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, serão todas julgadas procedentes, com a imposição, inclusive, de condenação do INSS no pagamento dos honorários advocatícios. Ou seja, apenas com os honorários dos advogados das partes, o órgão gastará de 20% a 30% do valor devido aos segurados”, afirmou o Ministério Público.

Fonte: Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR

23/03/2012 | 09h28 | PrevidênciaDo Correio Braziliense

terça-feira, 20 de março de 2012

Convite ao debate: Desaposentação no Regime Geral de Previdência Social

Há milhares de aposentados da iniciativa privada que voltaram ao mercado de trabalho ou que nele permaneceram após a aposentadoria. Nessa situação, o recolhimento de contribuições previdenciárias é obrigatório, entretanto é forte a discussão sobre a possibilidade de repercussão dessas contribuições nas respectivas aposentadorias do RGPS.

Nesse diapasão, torna-se ardente a polêmica acerca da possibilidade de renúncia da aposentadoria para concessão de outra, mais vantajosa, computando-se nesta o tempo de contribuição e as contribuições posteriores à jubilação.

A operação supracitada foi denominada pela doutrina e pela jurisprudência como desaposentação, e não é um tema novo no direito previdenciário, apesar de apenas nos últimos anos ter ganhado destaque, com o ajuizamento de milhares de ações judiciais, com a confecção de grande número de obras doutrinárias e grande clamor nos debates e seminários sobre direito previdenciário realizados em todo o país.

Pois bem.  Eu entendo que, juridicamente, a desaposentação é perfeitamente acolhida pelo atual sistema legal previdenciário, uma vez que inexiste vedação legal; o sistema previdenciário é de caráter protetivo, assegurando a percepção do benefício mais vantajoso; o ato jurídico perfeito, por ser garantia fundamental, não pode ser invocado para prejudicar o segurado; bem como não há necessidade de devolução dos valores recebidos em virtude da aposentadoria a ser renunciada, visto que a desaposentação não provoca desequilíbrio financeiro e atuarial.

Por oportuno, abro um parêntese para tecer algumas considerações sobre o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial que, atualmente, é o maior argumento da corrente contrária a desaposentação, sendo que se houver devolução dos valores recebidos, praticamente por unanimidade a desaposentação é permitida.

Não há desequilíbrio financeiro e atuarial do RGPS com o deferimento da desaposentação, pois o segurado, mesmo aposentado, permaneceu vertendo contribuições ao sistema, propiciando, assim, receita inesperada ao RGPS, que será suficiente para cobrir as despesas da nova aposentadoria.

E mais. A utilização deste argumento como vetor da desaposentação é uma grande falácia. O equilíbrio financeiro e atuarial só é lembrado por alguns para impedir o exercício de direitos pelo segurado. Será que o Congresso Nacional lembrou do equilíbrio financeiro e atuarial quando inseriu na legislação a Desvinculação de Receita da União (D.R.U.) que permite, entre outros, a desvinculação de 20% da receita da seguridade social para outras áreas que o governo bem entender?  Eu tenho certeza que não.

Destaco, ainda, que a desvinculação de 20% da receita da seguridade social é destinada, principalmente, para pagamento de juros e amortização da dívida externa e para manutenção do superávit primário, entretanto quando a legislação permite ao segurado uma recompensa financeira em seu benefício como retribuição de anos de trabalho, o pleito é indeferido porque vai gerar desequilíbrio financeiro e atuarial no sistema.

Nada mais absurdo.

Neste sentido, o jurista  Fábio Zambitte Ibrahim assegura

Apresentar negativa à desaposentação com base no equilíbrio atuarial é criar obra de ficção, pois sequer este existe. É típico de nossa cultura, ao pretender denegar alguma demanda, apresentar interpretação restritíssima de determinado atributo necessário, como o fiscal de trânsito que avalia detalhes irrelevantes do veículo, com base em instruções esquecidas, no intuito de prejudicar determinado condutor.
(...)
Defendo que o argumento atuarial seja, sempre, levado em consideração no debate previdenciário, mas dentro dos devidos termos. Não há contradição com o que expus supra, mas entendo que o preceito atuarial deva ser considerado cum grano salis. Ou seja, se o próprio Poder Legislativo, eventualmente, produz alterações das mais diversas no plano de benefícios da previdência social brasileira, sem uma exposição do custeio necessário, sem sequer uma breve fundamentação matemática na exposição de motivos, não há fundamento para que o mesmo também não seja temperado na interpretação de determinadas demandas, desde que compatíveis com o restante do ordenamento. (Fábio Zambitte Ibrahim, Revista I jornada de Previdenciário, coleção jornada de estudos Escola de Magistratura Federal da 1ª Região - esmaf, junho/2010, Brasília, fl. 115– artigo – Desaposentação – novos dilemas).)

É válido esclarecer, ainda, que a renúncia a benefício para obtenção de outra mais vantajoso, em algumas situações, é assegurada pelo próprio legislador em matéria previdenciária, como por exemplo, ocorre com o benefício de pensão por morte. A Lei n. 8.213/91 estabelece que o cônjuge não pode acumular duas pensões, exceto se ele abrir mão de uma delas. Eis o que dispõe o art. 124, inciso VI, da Lei n. 8.213/91:

Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
(...)
VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.

Neste sentido, a Lei 8.112/90 (lei que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.) prevê, no art. 25, a hipótese de reversão da aposentadoria, cancelando-se todos os efeitos dela, sendo computados no cálculo da futura aposentadoria todo o tempo de serviço, bem como todas as contribuições posteriores à aposentadoria revertida.

Dessa forma, a desaposentação não é algo extremamente estranho ao ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível encontrar dispositivos legais que permitem expressamente a renúncia de benefício para obtenção de outro mais vantajoso.  

Não podemos esquecer também da necessária contrapartida da contribuição previdenciária direta, de previsão constitucional:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)


Destaco também que a Legislação previdenciária sempre previu retribuições ao segurado aposentado que voltasse a contribuir ou que na possibilidade de se aposentar não o fazia, mesmo antes da CRFB/88, conforme explica o Juiz Federal Alberto Nogueira Júnior:

A Lei no. 3.807/60 (lei orgânica da previdência social), em seu art. 32, §§ 4o. e 5o., estabelecia hipótese em que o segurado que já pudesse se aposentar por tempo de serviço integral, mas que continuasse a trabalhar, receberia abono mensal de 25% (vinte e cinco) por cento do salário de benefício, pago pela instituição de previdência social na qual estivesse inscrito, não incorporável à aposentadoria ou pensão; e o art. 57, parágrafo único, letra “b” proibia expressamente ao segurado, a percepção conjunta, pela mesma instituição de previdência social, de aposentadoria de qualquer natureza.

      O art. 5º., § 3º. da Lei no. 3.807/66, com a redação dada pelo art. 1º. Do Decreto – lei no. 66/66, dispôs que:
  
“Art. 5º.: (...)

§ 3º. – O aposentado pela Previdência Social que voltar a trabalhar em atividade sujeita ao regime desta Lei será novamente filiado ao sistema, sendo-lhe assegurado, em caso de afastamento definitivo da atividade, ou, por morte, aos seus descendentes, um pecúlio em correspondência com as contribuições vertidas nesse período, na forma em que se dispuser em regulamento, não fazendo jus a quaisquer outras prestações, além das que decorrerem da sua condição de aposentado.” (voto do juiz federal convocado juiz federal convocado Alberto Nogueira Junior em auxilio a segunda turma especializada  - apelação 200651015373370) – trf2 – cópia integral anexa).

A redação antiga da Lei n. 8.213/91 também previa o pagamento de pecúlios:

Art. 81. Serão devidos pecúlios:
(...)
II - ao segurado aposentado  por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, quando dela se afastar;

(...)

Art. 82. No caso dos incisos I e II do art. 81, o pecúlio consistirá em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro;


Entretanto, os referidos pecúlios foram extintos pelas Leis nº 8.870/94 e 9.032/95 e desde então restou ao segurado apenas a obrigação de pagar as contribuições previdenciárias.

Assim, está omissa a atual legislação previdenciária, uma vez que silente no que diz respeito à repercussão nos benefícios das contribuições do segurado aposentado, levando em consideração a ilegalidade do art. 181-B do Decreto 3048/99 (porque não encontra respaldo em lei) e a não aplicação do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 ao presente caso, conforme entendimento já solidificado pelo STJ.

Porém, ao INSS é impossível a concessão administrativa da desaposentação, uma vez que como ente da administração pública que é, somente pode fazer aquilo que a legislação expressamente lhe permite (princípio da legalidade), o que não ocorre na desaposentação, sobre a qual a legislação é omissa. Assim, o deferimento da desaposentação somente é possível judicialmente.

Contudo, como política previdenciária, a desaposentação é inviável e deve ser afastada através de promulgação de lei que a proíba, porque:

1 – A população brasileira está envelhecendo significativamente e medidas que garantam o equilíbrio financeiro e atuarial precisam ser tomadas. Como já dito acima, a desaposentação não fere diretamente este princípio, mas é preciso criar maneiras de postergar a aposentadoria por tempo de contribuição, visto que a expectativa de vida do brasileiro está em constante aumento.

O fator previdenciário, fórmula criada com este fim, ou seja, desestimular a aposentadoria precoce, não atinge e, na verdade, nunca atingiu seu objetivo, pois percebe-se no dia-a-dia, que seja por falta de informação, seja por necessidade de melhora na renda, que o segurado ao completar os requisitos mínimos para a aposentadoria não reflete sobre o valor do benefício ou mesmo sobre a possibilidade de obter renda maior se continuar trabalhando por mais alguns anos, simplesmente, aposenta-se.

Dessa forma, caso seja legalizada a desaposentação, haverá grande comprometimento do orçamento do sistema, tendo em vista que o segurado irá aposentar com o tempo mínimo e, constantemente, pedir a inclusão de novas contribuições no cálculo da aposentadoria.   Isso fere a lógica do RGPS que é contribuir para depois usufruir e não contribuir e usufruir ao mesmo tempo.

2 – Outro problema da desaposentação é sua inviabilidade procedimental. Como cada contribuição do segurado pode gerar reflexos positivos na aposentadoria, a cada mês ele poderia se dirigir a uma Agência do INSS e requerer a desaposentação, o que certamente levaria o caos para o atendimento e para as áreas administrativas de concessão de benefício.

3 - Para afastar, o item 1 e 2 poderiam perguntar: Não seria mais fácil regulamentar a desaposentação, estabelecendo períodos mínimos de contribuição para que ela pudesse ser requerida? A resposta é positiva. Sim seria mais fácil, mas não seria o correto. Isto porque a desaposentação, não raras vezes é desvantajosa para o segurado. Isso pode acontecer mesmo com o segurado que contribui décadas para a previdência depois de aposentado, tendo em vista as mudanças de fórmula de cálculo estabelecida pela legislação, como por exemplo, a Emenda Constitucional nº 20/98, que mudou a fórmula de cálculo da aposentadoria para uma média das contribuições vertidas para o sistema desde 1994 até a data do requerimento do benefício em sucumbência da fórmula de cálculo da média dos últimos 36 salários de contribuição do segurado.

O fato é que a desaposentação é extremamente ligada à questão matemática, não sendo a melhor forma de garantir a retribuição da contribuição específica do segurado, conforme estabelece a CRFB/88.

Ressalte-se, ainda, que quem recebe benefício no valor mínimo (um salário mínimo), na maioria das vezes, não terá qualquer contrapartida para a contribuição, caso esta seja também em valor mínimo, uma vez que não haverá aumento de sua renda. E é sempre bom lembrar que quase 70% (68,3% - segundo dados do Ministério da Previdência Social referentes à competência agosto de 2011 - http://www.inss.gov.br/vejaNoticia.php?id=43952) dos benefícios do RGPS possuem valores neste patamar.

Assim, a desaposentação privilegiaria somente uma pequena parcela dos beneficiários, ferindo o princípio da isonomia, tendo que em vista que trataria de forma desigual os aposentados que voltam ao mercado de trabalho, pois para alguns a desaposentação seria vantajosa para outros não, ou seja, a satisfação do dispositivo constitucional de repercussão da contribuição previdenciária no benefício estaria condicionada a critérios matemáticos, o que foge ao razoável.

Assim, a melhor solução para o fato social consubstanciado na volta ao trabalho do segurado aposentado, bem para a problemática do RGPS acerca do prolongamento da expectativa de vida, é a proibição da desaposentação e a criação de um benefício que estimule o segurado a postergar a aposentadoria.

Refletindo sobre o tema, observei que a melhor solução não seria a criação de novo benefício, mas de retorno de um velho conhecido do RGPS: o abono-permanência em serviço.

Estabelecia o art. 87 da Lei 8.213/91 (extinto pelo art. 29 da Lei 8.870/94):

  Art. 87. O segurado que, tendo direito à aposentadoria por tempo de serviço, optar pelo prosseguimento na atividade, fará jus ao abono de permanência em serviço, mensal, correspondendo a 25% (vinte e cinco por cento) dessa aposentadoria para o segurado com 35 (trinta e cinco) anos ou mais de serviço e para a segurada com 30 (trinta) anos ou mais de serviço.(Revogado pela Lei nº 8.870, de 1994)
Parágrafo único. O abono de permanência em serviço será devido a contar da data de entrada do requerimento, não variará de acordo com a evolução do salário-de-contribuição do segurado, será reajustado na forma dos demais benefícios e não se incorporará, para qualquer efeito, à aposentadoria ou à pensão.
(Revogado pela Lei nº 8.870, de 1994)


Assim, conforme explicam os juristas Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari

O abono de permanência em serviço era devido ao segurado que, satisfazendo-se as condições de carência e tempo de serviço exigidos para obtenção da aposentadoria por tempo de serviço integral (trinta anos para a mulher, trinta e cinco para homem), preferisse não se aposentar.

A renda mensal correspondia a 25% do salário de benefício para o segurado com trinta e cinco anos ou mais de serviço e para a segurada com trinta anos ou mais de serviço.

O abono de permanência em serviço era extinto pela concessão da aposentadoria, ou por morte do segurado, ou quando da emissão de certidão de tempo de serviço, para fins de contagem recíproca. Era mantido o abono se o segurado entrasse em gozo de auxílio-doença, ou quando o desemprego depois de requerido o abono.

O abono de permanência em serviço não se incorporava, para nenhum efeito, à aposentadoria ou à pensão. (Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, Manual de direito previdenciário, 12ª ed, Editora Conceito editorial, Santa Catarina, 2010 fl. 714)


Defendo, pois, o retorno do abono permanência em serviço nos mesmos termos acima destacados e acrescentando que, por se tratar de sanção premial, ou seja, conduta cujo exercício é facultativo, mas que se realizada ocasionará prestação positiva ao agente, possui maior eficácia que uma sanção negativa como a proposta pela sistemática atual (fator previdenciário).

Por fim, e com fundamento na constatação de que a desaposentação é possível juridicamente, mas imprestável como política pública previdenciária, concluo que o STF deve julgar como inconstitucional a desaposentação, tendo em vista que as decisões deste órgão, por defender um instrumento repleto de políticas públicas, qual seja, a CRFB/88, não podem levar em consideração somente o argumento jurídico, mas valorar no caso concreto o argumento político, o que, certamente, não é confundido com politicagem, e que levará ao indeferimento do instituto da desaposentação.

E você, o que acha da desaposentação?


Texto de Leomir José Vieira, caso queira saber mais sobre o tema acesse:http://www.debateprevidenciario.blogspot.com.br/p/textos-e-artigos.html