Previdência:
regra de 1999 ‘corrói’ aposentadorias
No
Brasil, o requisito básico para entrada na aposentadoria é a idade. Os homens
podem se aposentar aos 65 anos; as mulheres, aos 60. Uma segunda regra permite
que muitos se aposentem antes. É o tempo de contribuição com o INSS: os homens,
após contribuir por 35 anos; as mulheres, após 30.
A
regra foi elaborada para beneficiar as pessoas que começaram a vida profissional
cedo. Evita que sejam forçadas a trabalhar anos demais. Seria irretocável se
não fosse por um senão. A aposentadoria fica consideravelmente mais baixa que o
salário da ativa — 30%, em média. No pior cenário, a renda do aposentado
encolhe 50%.
O
desconto brutal é provocado pelo fator previdenciário, uma fórmula instituída
em 1999, no governo FHC, para desestimular as aposentadorias precoces. Se
muitas pessoas que trabalham desde jovens contam os dias para a aposentadoria,
é porque ignoram que o redutor as aguarda no final.
–
É como um consórcio. Você passa a vida inteira pagando as prestações de uma
Ferrari, mas no final recebe um Fusca. É inaceitável — compara Moacir Meirelles
de Oliveira, presidente interino da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas.
Mão
pesada
Quanto
mais longe da idade mínima (65 ou 60 anos) a pessoa se aposenta, mais pesada é
a mão do fator previdenciário.
Vale
lembrar que aposentadoria é prejuízo mesmo em condições normais. O trabalhador
perde vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde. No setor privado, além
disso, não existe aposentadoria superior a R$ 3.916, o teto do INSS.
O
fator previdenciário acabou não tendo o efeito desejado pelo governo. As
pessoas não estão adiando a aposentadoria. A idade média no momento de pedir o
benefício é de 53 anos.
Tão
logo passam a receber do INSS, essas pessoas conseguem um novo emprego. Caso
prefiram, nem sequer deixam o último trabalho. Assim, acumulam duas fontes de
renda: aposentadoria e salário.
Isso
é perfeitamente legal. Estão nessa situação 800 mil brasileiros, incluindo o
motorista de ônibus José Severino da Silva, de 54 anos. Ele, que trabalha desde
os 17, aposentou-se no ano passado. Sua aposentadoria é de R$ 1.600, inferior
aos R$ 2.300 do salário da ativa. Ele não se resignou: mesmo aposentado, não
deixou os ônibus de Brasília.
—
Se vivesse só da aposentadoria, eu não conseguiria manter a casa, bancar a
faculdade do filho e pagar um bocado de contas. Sorte que tenho saúde.
O
tiro do governo saiu pela culatra. Em vez de inibir, o fator estimula a
aposentadoria precoce. Na prática, o benefício do INSS vira uma renda extra.
Isso é tentador no curto prazo.
Mas
não no longo prazo. Mais tarde, já idosas e sem a mesma disposição para o
trabalho, essas pessoas perderão o salário e terão só a aposentadoria.
Sem
recálculo
Além
de já estar corroída pelo fator previdenciário, a aposentadoria não sofrerá
aumento. Os anos de contribuição com o INSS no segundo período de trabalho de
nada servem. A lei não permite recálculo da aposentadoria. A contribuição
desembolsada todo mês pelo aposentado que continua trabalhando apenas abastece
os cofres da Previdência Social.
Em
suma: quando pararem de trabalhar definitivamente, sofrerão um golpe ainda mais
devastador no orçamento.
O
fim do fator é reivindicação dos sindicatos. Até o ministro da Previdência,
Garibaldi Alves Filho, afirma que deseja derrubá-lo.
—
Todo mundo atira nesse fator, que é a Geni do sistema previdenciário. Ele é
maldito — diz o ministro, citando a célebre música de Chico Buarque.
O
Congresso estuda projetos que o sepultam. O mais adiantado (PLS 296/03) é do
senador Paulo Paim (PT-RS), que passou no Senado e já pode ser votado no
Plenário da Câmara.
—
Não há fator para o servidor público, que tem aposentadoria de até R$ 27 mil.
Só vale para o trabalhador da iniciativa privada, que não recebe mais que R$
3.900. Adivinhe quem paga a aposentadoria integral do servidor público... O
fator tira dos pobres e dá aos ricos — explica Paim.
Enquanto
o redutor resiste, o trabalhador pode tomar dois caminhos. Um é adiar a
aposentadoria: quanto mais anos extras trabalhar, menor será o efeito do fator
previdenciário. Outro é se aposentar, voltar a trabalhar e recorrer à Justiça
pedindo a "desaposentação" — renunciar provisoriamente à
aposentadoria, para adiante recebê-la recalculada, mais polpuda (algo que não
está na lei). Os tribunais têm sido sensíveis a esse tipo de demanda.
fonte: Agência Senado - notícia original em
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